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"Não babam olhos por diamantes ignotos, mas, com prazer, relustram-se as joias de renome". Fred Rocha

Nós e a Sereníssima República

  • Fred Rocha
  • 1 de jun. de 2017
  • 4 min de leitura

Machado de Assis, cuja obra se divide em duas fases, também não deixou de vivenciar, ele próprio, a dualidade dialética – senão mesmo maniqueísta – que rege a política nacional desde as suas fraldas monárquico-parlamentaristas. Estas que, por sua vez, nos remetem sem esforço algum de memória e analogia ao já bem dito e redito: “Os políticos e as fraldas devem ser mudados (frequentemente e) pela mesma razão”. Citação do igualmente boníssimo escritor e crítico mordaz, – rival daquele e seu contemporâneo –, Eça de Queiroz – adendo meu.

O Bruxo, tão dissimuladamente humanista (ou assim nem tanto) quanto confessamente liberal e republicano, não deixou de sair às ruas em virtude ou em razão da abolição da escravatura: “Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888...” – relatou em A Semana, da Gazeta de Notícias (1892-1900). Sabia ele, no entanto, ou antevia, que o findo regime escravocrata bem como a República nascente, – no Brasil –, era uma flor que não poderia diferir muito (em essência) da mesma terra e do estrume onde nascera... E quem há de desdizer d’um Brás Cubas, senão tão-só por picuinha, quando diz que o menino é pai do homem? E assim é, talvez, que viria de completar o trecho supracitado, assim dizendo: “Verdadeiramente, foi o único dia de delírio que me lembra ter visto”.

Sim! pois nada mais que um delírio... o delírio de otimismo a que está sujeito todo gênio deveras artístico, como o era o de Machado de Assis: tão tocado por um profundo idealismo quanto, – forçosa e infelizmente –, arrastado pelo mais concreto pessimismo: a Lei Áurea viria apenas de promulgar a (ainda trabalhista e democraticamente aceita) escravidão de almas... E é com esta mesma “pena” pessimista, – quem sabe até a quatro mãos, com a da galhofa –, que a política brasileira segue escrevendo a sua história nos anais todos do pleito e do sufrágio, e bem como do conchavo e da tramoia. Coisa esta divinamente simbolizada em seu romance Esaú e Jacó, no qual o enredo tem como “cenário” a transição do regime monárquico para o regime republicano.

Contudo, segundo a afirmação feita na personagem do próprio Conselheiro Aires: “Se muda de roupa sem trocar de pele”... Conquanto a assertiva nos leve à magistral paródia do conto A Sereníssima República, na qual um tal cônego Vargas, – que não se sabe bem se padre secular ou se um homem de vida regalada –, narra, em conferência, os seus extraordinários estudo e descoberta – e não necessariamente nesta ordem: o descobrimento d’uma espécie araneida (araneídea) falante e o seu consequente experimento d’organizá-las política e socialmente. Para tanto, intenta adotar um dessueto sistema eleitoral já empregado na igualmente ultrapassada antiga Veneza: o do sorteio, por meio de um saco e de bolas contendo, cada qual, o nome dos elegendos.

Pois bem; o fabrico do saco ficaria a encargo de dez damas (aranhas) principais, que receberiam o título de mães da república, além d’outras prerrogativas e foros – e qualquer semelhança com os ministros do Supremo não seria mera coincidência. Destarte, enfim, dá-se início à vida pública na recém-fundada Sereníssima República. Não demoraria, entretanto, para que o método (a princípio, probo e seguro) fosse tão logo burlado pela máquina. Viciado o sistema, corrompido o homem público, – e, no caso, as aranhas –, restam-nos ao menos, ou ao que tudo indica, as emendas... Na Sereníssima República, e tal qual na Federativa do Brasil, implementou-se (desde então e até a hora presente) a sanção do efeito, e não da causa.

E assim chegamos, pouco mais de um século e um quarto transcorridos, à nossa atual conjuntura político-social. Algo de novo? Nada...! nada mais que “um novo saco”... Reinam ainda “Hazeroth’s” e “Magog’s”, – e o pior! –, “Nabiga’s” e “Caneca’s”; e nós seguimos emendando outros sacos... Analisando-se o conto mais a fundo, – quiçá até d’um modo raso e equivocado –, já não se pode chegar à conclusão de que é o homem quem avilta a política ou se esta última é quem corrompe o primeiro. O mais certo é que o raciocínio fraude a lógica. Mas as aranhas, falantes ou mudas, vivem muito bem – ou bem ou mal – conforme a sua própria ordem e espécie; e segundo, como consta, o Deus do Gênesis viu que era bom – ou ainda, segundo a razão suficiente d’um Dr. Pangloss, evocada na eloquente desrazão d’um Quincas Borba: o melhor possível no melhor dos mundos possíveis. No mais, deixemos o mais do comentário ou do comentarismo político aos seus jornalistas e veículos afins. Todavia, neste momento de grande agitação política, esperamos todos, benfazejos, – ou os mais bem informados e sensatos, pelo menos –, que impere não só a justiça, mas também o real e mais elevado sentido de república e de democracia: respectivamente “coisa pública” e “governo do povo”. Eufêmica ou quase que elogiosamente falando, cai uma governança, no mínimo do mínimo, incompetente, e se eleva em seu lugar um governo, assim digamos, duvidoso... E, bem, enquanto não nos vem o nosso tão aguardado “Ulisses”, a tomar o lugar que bem melhor lhe cabe na cadeira pública, sigamos todos vivendo ou sobrevivendo nesta burlesco-hedionda República das Aranhas...

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