Entre Arte e artimanhas
- Fred Rocha
- 13 de jun. de 2016
- 3 min de leitura

No texto anterior publicado aqui no blog, falamos sobre esta profunda inversão de valores que acomete a sociedade como um todo e a nós enquanto indivíduos – consideradas desde já as particularidades inerentes a cada qual. O debate seria extenso e acirrado, tão mais se levássemos em conta as suas vertentes e variantes; e não fosse, antes de tudo, quase inócuo – senão mesmo, ocioso e infrutífero. Digo isto, uma vez que a solução deste problema demande a sua própria reversão: num verdadeiro “renascer da água para o vinho”. Um e outro indivíduo assim aspira, mas a coletividade, – convenhamos –, não o quer… e muito embora, bem no fundo, o anseie. E, bem, o que pareceria ser um grande contrassenso, Freud o demonstra suficientemente com a concepção mesma do aparato psíquico em seu modelo estrutural da psique humana: pois que entre o id, o ego e o superego, – ao que tudo indica –, o homem quase sempre prefira conluiar seu ego com o id a fim de conspirar contra a parte mais crítica e moral que lhe restar…
No entanto, falemos hora particularmente sobre esta mesma inversão de valores no que fere a Arte e o fazer artístico. Ou, ao menos, no que deveriam ser este último e aquela, em essência. Segundo Oscar Wilde, no que eu concordo plenamente: “No momento em que um artista descobre o que as pessoas querem e procura atender à demanda, ele deixa de ser um artista e torna-se um artesão maçante ou divertido, um negociante honesto ou desonesto. Perde o direito de ser considerado artista”. Indo além, e, a meu ver, de um modo inteligentemente infeliz, afirma que: “A forma de governo mais adequada ao artista é a ausência de governo. Autoridade sobre ele e a sua arte é algo de ridículo”. Aqui, se por um lado protesta contra o autoritarismo e a censura, – que tolhem o artista e sua arte –, por outro é que estimula a anarquia. E o que pode gerar o anarquismo senão tão-só a incongruência e a desordem?
Aquele, sendo efetivamente um desgoverno, não vai de encontro só à civilidade, mas se choca também contra a Arte, que atende igualmente a princípios, os quais norteiam o artista e que regem o (de fato e de direito) legítimo fazer artístico. Em todo caso, toda forma de anarquia, – e bem como o seu oposto, o despotismo –, é um grande erro e um malefício; e ainda seja tomada como u’a mera e ingênua “expressão artística”: pode até parecer “lúdica” no início, porém é só o princípio da balbúrdia… E tal como se deu (e ainda se dá) em tudo que abarca o intelecto humano, temos aí estabelecido o Império da Antinomia e da Disputa, no qual reina, – ora por lei ou dogma ora por filosofismo ou opinião –, o absoluto partidário, isto é: a contradição universal. Não, senhores… A Arte, antes de tudo, tem por causa primária o Ideal, sem o qual deixa de ser: se desdiz ou contradiz. É o nonsense do inviável; o paradoxo de si mesma.
Ora, é assim, – mal comparando –, como um Deus, absoluto em Amor e em Justiça, que recomenda a equidade e a indulgência, mas que condena à eternidade os inimigos… Uma monstruosidade que a fé, só ela admite e até venera; todavia que a lógica abomina e ante a qual a razão jamais se verga. Entretanto, daí mesmo chegamos à concepção artística em voga (que legitima “Macaquinhos” e afins): àquela! segundo os critérios da Lei Rouanet… Nisto, e bem como disse um Giuseppe Mazzini: “Um artista é uma das duas coisas: ou ele é um alto sacerdote, ou então um saltimbanco mais ou menos esperto”. Sem mais… Aliás, cedamos ainda a palavra a Victor Hugo: “Todo o grande artista amolda a arte à sua imagem”. E, se me permitem, tomo a liberdade d’emendá-lo: “Todo artista amolda a arte à sua imagem”. Logo, neste reino onde tudo é relativo, conceitual, experimental e subjetivo, onde tudo é “arte” e todos são “artistas”, – e à parte as injustiças consequentes –, a “arte” é Arte, e conforme a nossa imagem e semelhança…
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